- Identificação da Obra (título, autor, editora)
- Personagens (principais)
- Quem são?
- Descrição.
- Tempo X Espaço
- Época em que aconteceu o enredo.
- Locais onde se desenvolveram os fatos.
- Enredo
- Resumo do texto.
- Identificação das partes do texto (introdução, desenvolvimento, conclusão).
- Partes da Obra
- Transcrever partes da Obra e comentar.
- Quem foi o verdadeiro assassino e sua razão?
- Quem foram os suspeitos?
- Quais os motivos para serem investigados?
- Opinião pessoal
- Comente sobre o livro algo que percebeu
- Produza um novo final.
Textos
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sexta-feira, fevereiro 24, 2012
Ficha de Leitura
Avaliação Parcial do Livro O mistério do Trem Azul
sexta-feira, janeiro 27, 2012
O mistério do trem azul part. 36
À BEIRA-MAR
As mimosas estavam no fim e o seu perfume tornara-se
levemente desagradável. Gerânios
vermelhos
enfeitavam a balaustrada da vila de
Lady Tamplin e
enormes quantidades de cravos perfumavam o ar.
O Mediterrâneo nunca parecera tão azul. Poirot encontrava-se
no terraço com Lenox, a quem
acabava de
contar a mesma história que contara a Van Aldin, dois
dias antes.
A jovem escutara-o com apaixonada atenção, de sobrancelhas
franzidas e olhos sombrios, e
quando ele
acabou perguntou-lhe:
- E Derek?
- Foi solto ontem.
- Para onde foi?
- Partiu de Nice a noite passada.
- Para Saint Mary Mead?
- Sim, para Saint Mary Mead.
Pausa.
- Estava enganada acerca de Katherine - disse
por fim Lenox. - Julgava que não
gostava dele.
- É muito reservada, não confia em ninguém.
- Podia ter confiado em mim - redarguiu Lenox, com certo
azedume.
- Sim, podia ter confiado em si - concordou o
detetive, gravemente. - Mas
Mademoiselle Katherine passou
grande parte da sua vida a ouvir os
outros, e
aqueles que estão habituados a
ouvir não acham fácil
falar. Guardam para si alegrias e
tristezas, não as contam a
ninguém.
- Fui uma idiota! Julguei que ela gostava realmente de
Knighton... Convenci-me disso
porque...
porque esperava que fosse verdade.
Poirot pegou-lhe na mão e apertou-lha amigavelmente.
- Coragem, mademoiselle - murmurou, baixinho.
Lenox olhou para o mar e o seu rosto, na sua feia
rigidez, adquiriu por momentos uma
trágica beleza.
- Bem, de qualquer maneira não daria resultado!
Sou muito nova para o Derek, que é
como uma criança que nunca
cresceu. Precisa do toque de
madonna...
Após um longo silêncio, voltou-se impulsivamente
para o detetive e afirmou:
- Mas eu ajudei, Monsieur Poirot, pelo menos
ajudei!
- Com certeza! Foi a mademoiselle que me permitiu o primeiro
vislumbre da verdade, quando disse
que
a pessoa que cometeu o crime não
precisava de ter viajado no
trem. Antes disso, não conseguia
perceber
como o caso se passara.
- Ainda bem! - exclamou Lenox, respirando
fundo. - Pelo menos... já é alguma
coisa.
De muito longe chegou um apito prolongado.
- Lá está o maldito Trem Azul! Os trens
são coisas implacáveis, não são,
Monsieur Poirot?
Morrem pessoas dentro deles, mas
continuam o seu
caminho, como se nada tivesse
acontecido... Estou a
dizer tolices, mas o senhor sabe o
que quero dizer.
- A vida é como um trem, mademoiselle. Segue o seu
caminho... E ainda bem!
- Porquê?
- Porque o trem acaba por chegar ao fim da
viagem, e a esse respeito há um
provérbio interessante
na sua língua, mademoiselle.
- ¦¦A viagem acaba com o encontro dos amantes¦¦citou Lenox,
a rir. - Para mim não será verdade.
- Há-de ser verdade! É jovem, mais jovem do que
imagina. Confie no trem,
mademoiselle, pois é le
bon Dieu que o conduz.
O apito soou de novo.
- Confie no trem, mademoiselle - repetiu. -- E confie em
Hercule Poirot. Ele sabe!
O mistério do trem azul part. 35
EXPLICAÇÕES
- Explicações? - perguntou Poirot, a sorrir.
Estava sentado defronte do milionário, à mesa do
almoço, nos aposentos daquele no
Negresco. O milionário tinha
agora o ar de um homem intrigado,
mas
aliviado. O detetive recostou-se na
cadeira, acendeu
um dos seus cigarros e olhou para o
teto.
- Sim, dar-lhe-ei explicações... Começou com o
pormenor que me intrigou... Sabe de
que pormenor
falo? O rosto desfigurado. É uma
característica que não
é raro encontrar-se quando se
investiga um crime e
suscita uma pergunta imediata: a identidade?
Foi,
naturalmente, a primeira coisa que
me ocorreu. A morta
seria, de fato, Mistress Kettering?
Mas o testemunho
de Miss Grey foi positivo, nesse
aspecto, e merecedor
de toda a confiança, e por isso
abandonei a ideia. A vítima
era Ruth Kettering.
- Quando começou a suspeitar da criada?
- Demorei algum tempo, confesso, mas determinado pormenor
peculiar chamou a minha atenção
para
ela: a cigarreira encontrada na
carruagem e que ela nos
disse ter sido dada por Mistress
Kettering ao marido.
Ora essa dádiva pareceu-me muito
improvável, em virtude dos
termos em que o casal vivia, e
tanto bastou
para que no meu espírito surgisse
uma dúvida quanto
à veracidade de todas as
declarações de Ada Mason.
Havia ainda o fato suspeito e de
tomar em consideração de se
encontrar apenas há dois meses ao
serviço de
sua filha. Claro que parecia
impossível que estivesse
relacionada com o crime, pois
ficara em Paris e Mistress
Kettering fora vista por diversas
pessoas, depois
disso...
Poirot inclinou-se para a frente, agitou enfaticamente
um indicador na cara do milionário
e prosseguiu:
- Mas eu sou um bom detetive e, como tal, suspeito. Não há
nada nem ninguém de que não
suspeite,
não acredito em nada do que me
dizem e perguntei a
mim mesmo: "Como sabemos que
Ada Mason ficou
em Paris?¦¦ Ao princípio a resposta
pareceu-me satisfatória:
havia as declarações do seu
secretário, pessoa
absolutamente alheia ao caso, cujo
testemunho era de
supor que fosse imparcial em
absoluto, e havia também as
palavras da própria morta ao
condutor. Resolvi, no entanto,
pôr de lado o último pormenor, pois
começava a ganhar forma no meu espírito uma ideia
muito curiosa, uma ideia talvez fantástica e impossível. Se,
por uma sorte inesperada, fosse
verdadeira, o
referido depoimento não valia nada.
¦¦Concentrei toda a minha atenção no maior obstáculo à minha
teoria: a afirmação do major
Knighton
de que vira Ada Mason no Ritz, depois de o Trem
Azul ter deixado Paris. A afirmação parecia conclusiva, mas,
ao examinar cuidadosamente os fatos,
notei
duas coisas: primeira, que por curiosa coincidência ele
também estava exatamente há dois meses ao serviço;
segunda, que a inicial do seu nome era igualmente
uK¦¦. E se fosse a cigarreira dele que aparecera na
carruagem? Se Ada e ele trabalhassem
juntos e ela reco
nhecesse a cigarreira do cúmplice
quando lha mostrá mos, não
procederia precisamente como
procedeu?
Primeiro mostrou-se surpreendida,
mas depressa arranjou uma
explicação plausível, com o mérito
de se
coadunar com a teoria de que Mister
Kettering era o
assassino. Bien entendu, não era essa a ideia original.
O bode expiatório previsto era o conde de la Roche
embora Mason não mostrasse muita certeza no seu
reconhecimento, não fosse o
indivíduo ter um álibi
irrebatível. Agora, se recuar
mentalmente a essa altura,
recordará uma coisa significativa,
que então aconteceu. Sugeri
a Ada Mason que o homem que vira
não
era o conde de la Roche, mas Derek
Kettering. Ela
pareceu incerta, no momento, mas
depois de eu voltar
para o meu hotel o senhor
telefonou-me e informou-me de que a
Mason o procurara e dissera que,
após
refletir, se convencera de que o
homem em questão
era Mister Kettering. Eu já
esperava mais ou menos
isso. Só podia haver uma explicação
para a súbita certeza da
sua parte: tivera tempo de
consultar alguém e
recebera instruções acerca do
procedimento a seguir.
Quem lhe deu essas instruções? O
major Knighton.
¦¦Havia ainda outro pequeno pormenor que podia
querer dizer muito ou não querer
dizer nada. Numa
conversa casual, Knighton falara de
um roubo de jóias
verificado no Yorkshire, numa casa
em que se encontrava.
Talvez fosse uma simples
coincidência... ou talvez outro elo
na cadeia.
- Há uma coisa que não percebo, Monsieur Poirot. Devo ser
estúpido, com certeza... Quem foi o
homem com o qual minha
filha falou em Paris? Derek
Kettering ou o conde de la Roche?
- Aí é que reside a beleza e a simplicidade do plano! Não
houve homem nenhum! Milde
tonnerres! Não vê
a astúcia de todo o caso? Quem nos
disse ter havido
um homem? Ada Mason, apenas. E nós
acreditámo-la porque
Knighton testemunhou que ela ficara
em
Paris.
- Mas a própria Ruth disse ao condutor que deixara a criada
na capital - teimou Van Aldin.
- Já lá vamos, já lá vamos. Temos o testemunho
da própria Mistress Kettering, mas,
pensando bem,
não temos, pois, Monsieur Van
Aldin, uma mulher
morta não pode testemunhar. Não é o
testemunho dela
que temos, mas o do condutor do trem,
o que é
muito diferente.
- Pensa, então, que o homem mentiu?
- De maneira nenhuma. Disse o que julgava ser
a verdade. Mas a mulher que lhe
disse que deixara a
criada em Paris não era Mistress
Kettering!
Van Aldin fitava-o, boquiaberto, e Poirot prosseguiu:
- Monsieur Van Aldin,
Ruth Kettering foi morta
antes de o trem chegar à Gare de
Lyon. Foi Ada
Mason, vestida com as roupas
características da ama,
quem comprou um cesto com o jantar
e quem fez a tal
declaração importante ao condutor.
- Impossível!
- Não, Mister Van Aldin, não é impossível. Les
femmes parecem-se tanto umas com as
outras, hoje em
dia, que as identificamos mais
pelas roupas que ves tem do
que pelo rosto. Ada era da mesma
altura da
sua filha e, com o sumptuoso casaco de peles, o chape linho
encarnado puxado para os olhos e
apenas um
bandó de cabelos ruivos a aparecer junto de cada ore lha,
não admira que o condutor se
deixasse iludir.
Lembre-se de que nunca falara com Mistress Kettering.
É certo que vira a criada, quando esta lhe entregara os
bilhetes, mas a impressão que colhera fora apenas a de
uma mulher magra, vestida de preto. Se fosse um homem
invulgarmente inteligente, talvez
dissesse que a
ama e a serva eram parecidas, mas é muito pouco provável que
o tivesse pensado, sequer. Não
esqueça que
Ada Mason, ou Kitty Kidd, é uma actriz, capaz de
mudar de aspecto e de tom de voz do pé para a mão.
Não, não havia perigo de ele perceber que falava com
a criada vestida com a roupa da patroa, mas havia o
perigo de que, ao descobrir o
corpo, compreendesse
que não se tratava da mesma mulher
com a qual falara
na noite anterior. Está a ver a
razão do rosto desfigurado. O
maior risco que Ada Mason correu
foi a possibilidade de
Katherine Grey visitar o seu
compartimento
,
depois de o trem deixar Paris, e
para o evitar comprou o
cesto do jantar e fechou-se.
- Mas quem matou Ruth... e quando?
- Primeiro, fixe que o crime foi planeado e executado pelos
dois, Knighton e Ada Mason, a
trabalharem de cumplicidade. No
dia fatal Knighton foi a Paris,
tratar de assuntos do senhor,
e entrou no trem
na ceinture. Mistress Kettering
deve ter ficado surpreendida,
mas não suspeitou de nada. Talvez
ele lhe
chamasse a atenção para qualquer
coisa, fora da janela, e
quando ela se voltou para ver lhe
tivesse passado
a corda pelo pescoço. Um segundo ou
dois, e tudo
acabou. A porta do compartimento
estava fechada e os
dois cúmplices deitaram-se ao
trabalho. Despiram as
roupas exteriores da morta,
enrolaram o corpo numa
manta e levaram-no para o banco do
compartimento
contíguo, entre malas e bagagens.
Knighton abandonou então o
trem, levando o guarda-jóias, com
os
rubis. Como tudo indicará que o
crime só foi cometido
cerca de doze horas mais tarde,
sente-se em absoluta
segurança. O seu próprio depoimento
e as supostas
palavras de Mistress Kettering ao
condutor proporcionarão à
cúmplice um álibi perfeito.
¦¦Na Gare de Lyon, Ada Mason comprou um cesto
com o jantar, fechou-se no
compartimento, vestiu a
roupa da ama, ajustou dois falsos
bandós ruivos e
caracterizou-se de maneira a
parecer-se o mais possível
com ela. Quando o condutor foi
preparar as camas,
disse-lhe, como estava combinado,
que deixara a criada em
Paris e, enquanto o homem
trabalhava, sentou-se com o rosto
voltado para a janela, de maneira a
que
quem passasse no corredor a visse
de costas. Foi uma
precaução inteligente, pois, como
sabemos, Miss Grey
foi uma das pessoas que passaram e
que juraria estar
ainda Mistress Kettering viva a
essa hora.
- Continue - pediu Van Aldin.
- Antes de chegar a Lyon, Ada Mason deitou o
corpo da ama na cama, dobrou-lhe
cuidadosamente as
roupas, que arrumou aos pés da
mesma, disfarçou-se
de homem e preparou-se para
abandonar o trem.
Quando Derek Kettering entrou no
compartimento da
mulher e julgou vê-la a dormir
tranquilamente, presenciava
apenas um cenário e Ada Mason
encontrava-se no compartimento
contíguo, à espera de oportunidade
para sair do trem sem
ser notada. Assim que
o condutor saltou para o cais, em
Lyon, imitou-o, como se
fosse apenas tomar ar. Num momento
em que
ninguém a observava, conseguiu
atravessar para o outro cais,
meter-se no primeiro trem e ir
instalar-se
no Ritz, onde uma das cúmplices
femininas de Knighton a
registara na véspera. Só lhe
restava aguardar placidamente a
sua chegada. As jóias não estavam,
nem
nunca estiveram em seu poder, mas
no de Knighton,
sobre o qual não recaíam quaisquer
suspeitas. Levou-as para
Nice sem ter medo de ser
descoberto, a fim
de serem entregues a Monsieur Papopolous, como fora
combinado. No último momento foram confiadas a
Mason, que as entregou ao grego. Portanto, um plano
minucioso e inteligente, como seria de esperar de um
perito na matéria, como o Marquês.
- É então verdade que Richard Knighton é um
criminoso conhecido, que trilha há anos a senda do
crime?
Poirot acenou afirmativamente.
- Um dos principais motivos de agrado do cavalheiro
conhecido pelo Marquês eram as suas
maneiras
simpáticas e insinuantes... o
senhor foi vítima do seu
encanto, Monsieur Van Aldin, quando
o contratou para
secretário após um conhecimento tão
breve.
- Juraria que ele nunca pensara em candidatar-se
ao lugar - replicou o milionário.
- Foi tudo feito com muita astúcia, tanta que iludiu um
homem cujo conhecimento dos outros
homens
é tão grande como o seu.
- Além disso, averiguei os seus antecedentes. As
referências foram excelentes.
- Sim, isso fazia parte do jogo. Como Richard
Knighton, a sua vida era isenta de
mácula. Bem-nascido, bem
relacionado, serviços honrosos na
guerra e
aparentemente acima de toda a
suspeita. Mas quando
comecei a procurar informações
acerca do Marquês
encontrei muitos pontos
semelhantes. Knighton falava
francês como um francês e estivera
na América, em
França e na Inglaterra ao mesmo
tempo que o Marquês operara
nesses países. As últimas notícias
conhecidas do Marquês
relacionavam-no com vários roubos
de jóias na Suíça, e foi na Suíça
que o senhor conheceu o
major Knighton - e foi precisamente
nessa altura que começaram
a correr boatos de que o senhor
estava em negociações para a compra
dos famosos
rubis.
- Mas porque a assassinou? - murmurou o americano. - Um
gatuno inteligente podia ter-se
apoderado das jóias sem enfiar
a cabeça num nó corredio.
- Este não foi o primeiro assassínio do Marquês.
É um assassino por instinto e
acredita na conveniência
de não deixar provas atrás de si.
Homens mortos e
mulheres mortas não falam. O
Marquês tinha uma
paixão intensa por jóias famosas e
históricas. Começou
por instalar-se como seu secretário
e conseguir que
a cúmplice se empregasse como
criada de sua filha, a
quem supunha que as pedras se
destinavam. Embora
fosse esse o seu plano
cuidadosamente amadurecido,
não lhe repugnou tentar encurtar
caminho e, para isso,
contratou dois celerados, que
encarregou de o
assaltarem na noite em que comprou
os rubis. O improviso
falhou, o que, suponho, não o
surpreendeu.
O plano primitivo era absolutamente
seguro; ninguém
suspeitaria de Richard Knighton.
Mas, como todos os
grandes homens, sim, porque o
Marquês era um grande homem,
tinha as suas fraquezas. Apaixonou-se
sinceramente por Miss
Grey e, suspeitando das simpatias
desta por Derek Kettering não
resistiu à tentação de
lhe atirar com o crime para as
costas, quando a oportunidade
se lhe apresentou. Agora, Monsieur
Van Aldin,
vou dizer-lhe uma coisa muito
importante: Miss Grey
não é uma mulher dada a fantasias,
mas crê firmemente que
sentiu a presença de sua filha ao
seu lado, um
dia nos jardins do Casino de Monte
Carlo, logo a seguir a uma
longa conversa que tivera com
Knighton.
Ficou convencida, garante, de que a
morta tentava ansiosamente
dizer-lhe que Knighton fora o seu
assassino! Na altura a ideia
pareceu-lhe tão fantástica que
não a revelou a ninguém, mas, tão
grande era a sua
convicção da presença de Mistress
Kettering que tentou
proceder de acordo com ela. Não
desencorajou os
sentimentos de Knighton e fingiu-se
convencida da
culpabilidade de Derek Kettering.
- Extraordinário!
- Sim, é muito estranho. Não podemos explicar
estas coisas. A propósito, houve
ainda um pormenor
que muito me intrigou. O seu secretário
coxeava bastante, como
consequência de um ferimento de
guerra,
mas o Marquês não coxeava. Parecia-me um obstáculo
inamovível, mas Miss Lenox Tamplin disse-me um dia
que o coxear de Knighton constituíra uma surpresa
para o cirurgião que o tratara no hospital da mãe. Tu do
indicava, portanto, haver disfarce.
Quando estive
em Londres procurei o referido cirurgião, o qual me
forneceu alguns dados técnicos que confirmaram essa
suspeita. Anteontem mencionei o nome do médico, na
presença do seu secretário, e
embora fosse natural que
Knighton dissesse haver sido
tratado por ele, durante
a guerra, não disse nada. Esse
pormenor convenceu-me ainda
mais de que a minha teoria estava
certa.
Além disso, Miss Grey deu-me um
recorte de jornal
onde se lia ter havido um roubo no
hospital de guerra
de Lady Tamplin, precisamente no
período em que
·Knighton lá esteve internado...
Compreendeu que seguia a
mesma pista que ela quando lhe
escrevi do Ritz
de Paris. Foi lá que, embora com
dificuldade, obtive
provas de que Ada Mason chegou na
manhã seguinte
ao crime, e não na noite da
véspera.
Após um longo silêncio, o milionário estendeu a
mão ao detetive.
- Deve avaliar o que isso significa para mim,
Monsieur Poirot - murmurou
comovido. - Amanhã
mandar-lhe-ei um cheque, mas não há
no mundo cheque capaz de
exprimir o que sinto pelo que fez
por
mim. O senhor é formidável,
Monsieur Poirot, é formidável!
Poirot levantou-se, com o peito dilatado, e redarguiu,
modesto:
- Sou apenas Hercule Poirot... No entanto, como
o senhor mesmo disse, à minha
maneira sou um grande homem.
Sinto-me satisfeito e feliz por ter
podido
ser-lhe útil. Agora vou reparar os
estragos da viagem... Ai de
mim, o meu excelente George não
está
comigo!
No vestíbulo do hotel encontrou dois amigos -- o venerável
Monsieur Papopolous e a filha, Zia.
- Julguei que tinha partido de Nice, Monsieur
Poirot - murmurou o grego,
apertando a mão estendida do
detetive.
- Os negócios compeliram-me a voltar, meu caro
Monsieur Papopolous.
- Os negócios?
- Sim, os negócios. Por falar nisso, espero que a
sua saúde esteja melhor, meu caro
amigo?
- Muito melhor. Na realidade, regressamos amanhã a Paris.
- Estou encantado por ouvir tão boas notícias.
Espero que não tenha arruinado
completamente o ex-ministro
grego...
- Eu?
- Ouvi dizer que lhe vendeu um maravilhoso rubi
que, aqui entre nós, anda ao
pescoço de Mademoiselle
Mirelle, a bailarina.
- Sim, é verdade...
- Um rubi parecido com o famoso ¦¦Coração de
Fogo¦¦. . .
- Tem, sem dúvida, pontos de semelhança -- concordou o grego
em tom casual.
- Felicito-o pela sua extraordinária habilidade para
negociar jóias, Monsieur
Papopolous. - Voltou-se
para a rapariga e acrescentou: -
Desola-me que parta
tão depressa, Mademoiselle Zia; esperava
vê-la mais
vezes, agora que concluí o meu
negócio.
- Seria indiscrição perguntar de que negócio se
tratou? - indagou o antiquário.
- De maneira nenhuma! Consegui apanhar o
Marquês!
O nobre semblante de Monsieur Papopolous franziu-se numa
interrogação.
- O Marquês?... Porque me parecerá esse nome
familiar? Mas não, não me lembro de
quem se trata.
- Oh, é natural! Refiro-me a um famoso criminoso e ladrão de
jóias. Acaba de ser preso pelo
assassínio
da senhora inglesa, Madame
Kettering.
- Deveras? Que interessante!
Seguiu-se uma delicada troca de despedidas e
quando Poirot se afastou, Mr.
Papopolous disse à filha:
- Aquele homem é o demónio!
- Gosto dele.
- Também eu - admitiu o grego. - Mas nem
por isso deixa de ser o demónio!
o misterio do trem azul part. 34
OUTRA VEZ NO TREM AZUL
“O Trem dos Milionários” como por vezes lhe,
chamavam, transpôs uma curva a uma velocidade que
parecia perigosa. Van Aldin, Knighton e Poirot viajavam em
silêncio. O milionário e o
secretário tinham dois
compartimentos com comunicação,
como
Ruth Kettering e a criada, na viagem fatídica, e o
compartimento do detetive ficava mais ao fundo da
carruagem.
A viagem era penosa para o milionário, pois acordava-lhe
recordações dolorosas. Poirot e o
secretário
conversavam de vez em quando, em
voz baixa, para
não o perturbarem.
Mas quando o trem completou a lenta viagem
em redor da ceinture e chegou à
Gare de Lyon, Poirot
iniciou de súbito uma actividade
febril. Van Aldin
compreendeu que parte do seu
objectivo ao viajar
naquele trem era tentar
reconstituir o crime.
O detetive representava todos os
papéis: era sucessivamente
criada apressadamente fechada no
seu compartimento, Mrs.
Kettering reconhecendo o marido
com surpresa e certa ansiedade, e
Derek Kettering ao
descobrir que a mulher viajava no
mesmo trem
que ele. Experimentou várias
possibilidades, como a
melhor maneira de uma pessoa se
ocultar no segundo
compartimento.
De súbito, pareceu ocorrer-lhe uma ideia importante e
agarrou com força no braço do americano.
- Mon Dieu, não tinha pensado nisso! Precisamos
de interromper a viagem em Paris.
Depressa, depressa,
apeemo-nos!
Pegou nas malas e correu para fora do trem
,
enquanto Van Aldin e Knighton o
seguiam, perplexos,
mas obedientes. Um funcionário
deteve-os na barreira,
pois os bilhetes tinham ficado em
poder do condutor,
fato que os três haviam esquecido.
Poirot apresentou explicações rápidas, fluentes e
apaixonadas, mas as mesmas não
produziram efeito
nenhum no impassível funcionário.
- Acabemos com isto! - decidiu Van Aldin,
bruscamente. - Calculo que esteja
com pressa, Monsieur Poirot;
portanto, pelo amor de Deus, pague
os
bilhetes desde Calais, para se
tratar do que quer que
tem em mente.
Mas o manancial de palavras do detetive secou de
súbito, deixando-o com o aspecto de
um homem
transformado em pedra. Os braços,
que abrira num
gesto apaixonado, continuaram
assim, paralisados.
- Fui um imbecil! - murmurou. - Ma foi, hoje
em dia começo a perder a cabeça!
Voltemos ao trem e
continuemos tranquilamente a nossa
viagem.
Com alguma sorte, a composição
ainda se encontrará
no cais.
Foi por um triz, pois o trem começou a andar
quando o major, o último dos três,
se içou e à maleta
para a carruagem.
O condutor protestou, irritado, e ajudou-os a levar
a bagagem para os respectivos
compartimentos. Van
Aldin não dizia nada, mas era
evidente que estava
aborrecido com a extraordinária
conduta do detetive.
Ao ficar um momento a sós com o
secretário, observou:
- Fazemos uma viagem inútil; o indivíduo perdeu
a tramontana. É certo que tem
miolos, mas um homem que perde a
cabeça e se ataranta como um coelho
assustado não serve para nada.
Poirot juntou-se-lhes pouco depois e mostrou-se
tão pródigo em humildes desculpas e
tão desanimado
que quaisquer palavras ásperas
teriam sido supérfluas.
Van Aldin aceitou gravemente as
desculpas, mas conseguiu
dominar-se e não fazer comentários
ácidos.
Jantaram no trem e depois, com certa surpresa
para os outros dois, Poirot sugeriu que se sentassem
todos no compartimento de Van Aldin.
- Oculta-nos alguma coisa, Monsieur Poirot? perguntou-lhe o
milionário, curioso.
- Eu? - O detetive abriu os olhos, cheio de inocente
surpresa. - Mas que ideia!
Van Aldin não respondeu, embora não estivesse
convencido. Informaram o condutor
de que não era
preciso armar as camas e se a ordem
o surpreendeu, a
magnanimidade da gorjeta do
americano compensou-o. Os três
homens sentaram-se, em silêncio.
Poirot
mexia-se constantemente, inquieto,
e pouco depois
perguntou ao secretário:
- Major Knighton, a porta do seu compartimento está fechada
à chave? Refiro-me à que dá para o
corredor.
- Está, fechei-a eu próprio, há pouco.
- Tem a certeza?
- Irei certificar-me, se quiser - prontificou-se
Knighton, com um sorriso ambíguo.
- Não, não se incomode; irei eu mesmo verificar.
Transpôs a porta de comunicação e voltou logo a
seguir, a acenar com a cabeça.
- Tinha razão - murmurou. - Deve perdoar as
manias de um velho... - Fechou a
porta de comunicação e
sentou-se no seu lugar, no canto da
direita.
As horas passavam. Os três homens dormitavam e
acordavam em sobressalto.
Provavelmente nunca três
pessoas tinham reservado camas no trem
mais luxuoso do
mundo para depois se recusarem a
beneficiar
das acomodações pagas. De vez em
quando Poirot
olhava o relógio, abanava a cabeça
e mergulhava de
novo numa desconfortável
sonolência. A certa altura,
levantou-se, abriu a porta de
comunicação, espreitou
para o compartimento contíguo e
regressou em seguida ao seu
lugar, a abanar a cabeça.
- Que se passa? - perguntou-lhe Knighton, baixinho. - Está à
espera que aconteça qualquer coisa,
não está?
- Estou nervoso - confessou o detetive. - Sou
como um gato num telhado quente;
qualquer ruído
me assusta.
- Que viagem desconfortável! - resmungou
Knighton, entre bocejos. - Espero
que saiba o que
está a fazer, Monsieur Poirot.
Ajeitou-se o melhor que pôde e tanto ele como o
milionário caíram no sono. De
súbito, Poirot olhou
pela décima quarta vez para o
relógio, estendeu o braço e
bateu no ombro do milionário.
- Que é?
- Chegaremos a Lyon daqui a cinco ou dez minutos, Monsieur.
- Meu Deus! - exclamou Van Aldin, cujo rosto
parecia lívido à luz fraca do
compartimento. - Então
deve ter sido mais ou menos a esta
hora que a minha
pobre Ruth foi assassinada.
Olhava a direito na sua frente, com os lábios a tremer e o
cérebro a recordar a terrível
tragédia que enlutara a sua
vida.
Ouviu-se o habitual ranger de travões, o trem
perdeu velocidade e parou em Lyon.
Van Aldin desceu a janela e
olhou para fora.
- Se não foi Derek, se a sua nova teoria está certa, deve
ter sido aqui que o homem abandonou
o trem? - perguntou,
por cima do ombro.
Com surpresa sua, Poirot abanou a cabeça e respondeu,
pensativo:
- Não, nenhum homem abandonou o trem.
Mas penso... sim, uma mulher deve
tê-lo abandonado.
Knighton abriu a boca e o americano perguntou,
vivamente:
- Uma mulher?
- Sim, uma mulher. Talvez não se lembre, mas
Miss Grey, ao prestar declarações,
mencionou que um
jovem de boné e sobretudo desceu
para o cais, ostensivamente
para desentorpecer as pernas. Na
minha opinião, esse homem era
uma mulher.
- Mas quem?
O rosto de Van Aldin traduzia incredulidade, mas
o detetive respondeu-lhe, séria e
categoricamente:
- O seu nome - ou o nome pelo qual foi conhecida durante
muitos anos - é Kitty Kidd, mas o
senhor conhece-a por outro
nome: o de Ada Mason.
Knighton levantou-se e gritou:
- O quê?
Poirot virou-se para ele, tirou qualquer coisa da algibeira
e estendeu-lha:
- Antes que me esqueça... Permita que lhe ofereça um
cigarro, da sua própria cigarreira.
Foi descuido
da sua parte deixá-la cair quando
entrou no trem
na ceinture de Paris.
Knighton fitou-o, petrificado, depois esboçou um
movimento, mas Poirot estendeu a
mão, num gesto de
advertência:
- Não se mexa - ordenou, em voz macia como
seda. - A porta que dá para o
próximo compartimento está
aberta e neste momento o senhor
encontra-se
sob a ameaça das armas. Abri a
porta do corredor,
quando deixámos Paris, e os nossos
amigos da Polícia
receberam ordem para ocupar os seus
lugares... Como
deve saber, a Polícia francesa tem
um empenho enorme em
apanhá-lo, major Knighton... ou
deverei dizer
senhor Marquês?
O mistério do trem azul part. 33
NOVA TEORIA
- Monsieur Poirot deseja falar-lhe, senhor.
- Diabos o levem! - praguejou Van Aldin.
Knighton manteve-se num silêncio compreensivo e
o americano levantou-se da cadeira
e começou a andar
de um lado para o outro.
- Suponho que viu os malditos jornais desta
manhã?
- Passei uma vista de olhos, senhor.
- Continuam a martelar na mesma tecla?
- Receio que sim, senhor.
O milionário sentou-se e apertou a testa nas mãos.
- Se eu tivesse previsto isto... Oh, quem me dera
nunca ter encarregado aquele belga
de má morte de
descobrir a verdade! Só pensava em
encontrar o assassino de
Ruth, mais nada.
- Não queria, certamente, que o seu genro ficasse
sem castigo?
- Preferia ter feito justiça pelas minhas próprias
mãos! - afirmou o americano, com um
suspiro.
- Não me parece que tivesse sido um procedimento sensato,
senhor.
- Enfm, tem a certeza de que o indivíduo quer
ver-me a mim?
- Tenho, sim, Mister Van Aldin. Mostrou grande
empenho.
- Nesse caso, não tenho outro remédio. Diga-lhe
que pode aparecer esta manhã, se
quiser.
Foi um Poirot cheio de vitalidade e boa disposição
que apareceu no hotel, para ser
recebido pelo milionário. Não
pareceu notar qualquer falta de
cordialidade
no acolhimento que este lhe
dispensou e tagarelou
despreocupadamente acerca de várias
ninharias. Viera a
Londres, explicou, a fim de visitar
o seu médico, e indicou o
nome de um eminente cirurgião.
- Não, não, pas la guerre. Uma recordação dos
tempos em que prestei serviço na Polícia:
uma bala de
um bandido. - Tocou no ombro
esquerdo e estremeceu, com uma
careta de dor muito convincente.
- Sempre o considerei um homem
afortunado, Monsieur Van Aldin.
Não se coaduna com a ideia popular
que fazemos dos milionários
americanos: mártires da
dispepsia!
- Sou rijo - concordou Van Aldin. - Levo uma
vida simples, como sabe, e
alimento-me frugalmente e
em pouca quantidade.
- Tem visto Miss Grey, não é verdade? - perguntou
inocentemente Poirot, voltando-se
para o secretário.
- S-sim... uma ou duas vezes... -
gaguejou
Knighton, corando.
É curioso, Knighton, mas nunca me disse que a
vira - exclamou Van Aldin, surpreendido.
- Não supus que estivesse interessado, senhor.
- Simpatizo muito com ela.
- É uma pena que se tenha enterrado, de novo
,
em Saint Mary Mead - comentou
Poirot.
- É muito nobre da sua
parte! - afirmou o ma jor, com
calor. - Poucas pessoas seriam
capazes de tal
sacrifício por uma velha intratável, que não lhe é nada!
- Longe de mim, dizer o contrário! - afirmou
Poirot, sorridente. - No entanto, não deixa de ser
uma pena. E agora, cavalheiros, falemos de coisas sérias.
Ambos os homens o fitaram, surpreendidos.
- Peço-lhe, Monsieur Van Aldin, que não se sinta
indignado nem alarmado com o que
vou dizer-lhe. Suponha que,
no fim de contas, Monsieur Derek
Kettering não assassinou a
mulher...
- O quê¦!
- Suponha, repito, que Monsieur Kettering não
assassinou a esposa.
- É doido, Monsieur Poirot? - perguntou o americano.
- Não, não sou doido. Serei excêntrico, talvez
p ,
elo menos é o que dizem certas pessoas, mas, no que
respeita à minha profissão, tenho
os olhos bem abertos.
Pergunto-lhe, Monsieur Van Aldin,
se ficaria contente ou
triste se o que lhe disse fosse
verdade?
Van Aldin fitou-o, perplexo, e por fim respondeu:
- Ficaria contente, naturalmente. Mas trata-se de
um jogo de suposições, Monsieur
Poirot, ou baseia-se
em fatos?
Poirot olhou para o teto e replicou, imperturbável:
- Existia uma probabilidade de que pudesse ter
sido o conde de la Roche. Pelo
menos consegui arrasar-lhe o
álibi.
- Conseguiu como?
- Tenho os meus métodos próprios - confessou,
com um modesto encolher de ombros.
- Um bocadinho de tacto,
uma certa astúcia... e pronto.
- Mas os rubis, os tais rubis que o conde tinha
em seu poder, eram falsos.
- E, logicamente, ele não teria cometido o crime,
a não ser pelos rubis. Mas esquece
uma probabilidade,
Monsieur Van Aldin: pode ter
chegado alguém primeiro do que
ele, no que respeita aos rubis.
- Isso é uma teoria inteiramente nova! - exclamou o major.
- Acredita, de fato, em toda essa história, Monsieur
Poirot? - inquiriu o milionário.
- Ainda não está nada provado; por enquanto trata-se apenas
de uma nova teoria. Mas afirmo-lhe,
Monsieur Van Aldin, que os fatos
merecem ser investigados.
Deve acompanhar-me ao Sul da
França, para
estudar o assunto no local.
- Acha realmente necessário... que eu vá?
- Pensei que seria isso que o senhor desejaria. -- Havia no
tom da sua voz uma sugestão de
censura,
que não passou despercebida ao
americano.
- Sim, sim, claro... Quando deseja partir, Monsieur Poirot?
- Tem muito que fazer neste momento - lembrou Knighton.
Mas o milionário tomara uma decisão e não ligou
importância às objecções do
secretário.
- Penso que este caso deve ter a preferência -- declarou. -
Muito bem, Monsieur Poirot,
partiremos
amanhã. Em que trem?
- Suponho que no Trem Azul - respondeu o
detetive, a sorrir.
O mistério do trem azul part. 32
KATHERINE E POIROT COMPARAM NOTAS
- Mudou, mademoiselle - disse Poirot a Katherine,
sentada na sua frente a uma mesa do
Savoy. - Não há
dúvida, mudou...
- Em que sentido?
- Essas nuances são difíceis de explicar, mademoiselle.
- Estou mais velha.
- Sim, está mais velha... Mas não quero dizer
com isto que as rugas e os pés de
galinha estejam a
chegar. Quando a conheci, era uma
observadora, uma
espectadora da vida; tinha o olhar
tranquilo e divertido de
quem assiste ao espectáculo confortavelmente
instalado num camarote.
- E agora?
- Agora já não observa. Talvez seja absurdo o que
vou dizer, mas tem o olhar atento
de um lutador a travar um
combate difícil.
- Às vezes a minha velhinha é difícil - confessou
Katherine -, mas garanto-lhe que
não travo combates
de luta com ela. Há-de ir visitá-la
um dia, Monsieur
Poirot; estou convencida de que
apreciará a sua coragem e o
seu espírito.
Seguiu-se uma pausa, enquanto o criado lhes servia
frango en casserole. Quando os deixou, Poirot perguntou:
- Nunca me ouviu falar do meu amigo Hastings?
Aquele que me chama uma ostra
humana... Eh bien
,
mademoiselle, encontrei em si o meu
par. A mademoiselle, muito
mais do que eu, faz um jogo
solitário.
- Que tolice! - protestou Katherine, de ânimo
leve.
- Hercule Poirot nunca diz tolices!
Novo silêncio, que o detetive interrompeu com
outra pergunta:
- Viu algum dos nossos amigos da Riviera, desde
que voltou?
- Tenho visto o major Knighton.
- Ah! É, então, isso? - Havia nos olhos brilhantes do
detetive um não sei quê que obrigou
Katherine
a baixar os seus. - Quer dizer que
Mister Van Aldin
continua em Londres?
- Continua.
- Devo tentar vê-lo amanhã ou depois.
- Tem notícias para ele?
- Porque pensa que terei?
- Não sei, pensei apenas.
Poirot fitou-a, atentamente, e disse-lhe:
- Estou a ver, mademoiselle, que deseja perguntar-me muitas
coisas. Porque não? O caso do Trem
Azul não é o nosso romance
policial?
- É verdade, gostaria de perguntar-lhe certas
coisas.
- Eh bien?
Katherine levantou a cabeça, com um súbito ar resoluto, e
inquiriu:
- Que esteve a fazer em Paris, Monsieur Poirot?
- Passei pela Embaixada russa - respondeu, com
um leve sorriso.
- Oh!
- Vejo que a resposta não lhe diz nada, mas não
serei uma ostra humana; porei as
cartas na mesa, uma
coisa que as ostras não fazem, com
certeza. Suspeita,
não é verdade, que a acusação
contra Derek Kettering
não me satisfez?
- É isso que me tem confundido. Pensei, em Nice, que
encerrara o caso.
- Não disse tudo o que pensa, mademoiselle, mas
eu não farei reservas. Fui eu, ou
seja, as minhas
investigações, que pus Derek
Kettering onde ele está. Se
não fosse a minha insistência, o
juiz de instrução ainda
agora tentaria, em vão, atirar com
o crime para cima
do conde de la Roche. Eh bien,
mademoiselle, não lamento o que
fiz. Tenho apenas o dever de
descobrir a
verdade e foi esse dever que me
levou direito a Derek
Kettering. Mas o caminho para a
verdade terminaria
aí? A Polícia afirma que sim; mas
eu, Hercule Poirot,
não tenho a certeza. - Fez uma
pausa e perguntou,
de súbito: - Teve notícias de
Mademoiselle Lenox,
ultimamente?
- Uma carta muito breve. Creio que está aborrecida comigo
por ter regressado a Inglaterra.
- Falei com ela na noite em que Mister Kettering
foi preso e posso afirmar-lhe que
tivemos uma entrevista
interessante, em vários sentidos.
Nova pausa, e Katherine não interrompeu o fio do
seu pensamento.
- Mademoiselle, embora vá pisar terreno perigoso,
atrevo-me a dizer-lhe o seguinte:
Há, creio, alguém
que ama Mister Kettering,
corrija-me, se me engano,
e, por amor desse alguém, espero
que a Polícia esteja
enganada e eu certo. Sabe quem é
esse alguém?
- Suponho que sim.
- Não estou convencido, mademoiselle - repetiu
o detetive, inclinando-se para ela.
- Não estou. Os
fatos principais apontavam
indubitavelmente para
Mister Kettering, mas houve um
pormenor que não
entrou em linha de conta.
- Qual?
- O rosto desfigurado da vítima. Tenho pergunta do a mim
mesmo centenas de vezes se Derek
Kette ring seria homem capaz
de praticar semelhante barba ridade depois de cometer um
homicídio. Com que
motivo? Para quê? Será acção que se
coadune com o
temperamento de Mister Kettering?
Confesso, mademoiselle, que
a resposta a todas estas perguntas
é profundamente
insatisfatória. Volto sempre ao
mesmo
ponto: Porquê? Os únicos dados de
que disponho para
me ajudarem a resolver o problema
são estes...
Tirou o livro de apontamentos da algibeira e retirou do
mesmo qualquer coisa que segurou
entre o indicador e o
polegar.
- Lembra-se, mademoiselle? Viu-me tirar estes cabelos da
manta, no compartimento do trem.
Katherine inclinou-se para a frente e observou
atentamente os cabelos.
- Vejo que não lhe sugerem nada, mademoiselle.
E no entanto... creio que pouco lhe
passa despercebido.
- Tive ideias, ideias curiosas - murmurou Katherine,
devagar. - Por isso lhe perguntei o
que esteve a fazer em
Paris, Monsieur Poirot.
- Quando lhe escrevi...
- Do Ritz?
Um sorriso curioso entreabriu os lábios do detetive.
- Sim, do Ritz. Sou um homem que aprecia o luxo, às vezes...
quando um milionário paga.
- Não compreendo qual possa ser o papel da Embaixada russa.
- A relação com o caso não é directa, mademoiselle.
Fui lá para obter determinada
informação, falei com
certo personagem e ameacei-o...
Sim, mademoiselle,
eu, Hercule Poirot, ameacei-o!
- Com a Polícia?
- Não. Com a Imprensa, que é uma arma muito
mais temível.
Olhou para Katherine, que lhe sorriu e abanou a
cabeça.
- Não está a transformar-se outra vez numa ostra,
Monsieur Poirot?
- Não, não é minha intenção ser misterioso. Dir-lhe-éi tudo.
Suspeito de que o tal indivíduo com
quem falei teve parte activa na
venda dos rubis a Mister Van
Aldin. Acusei-o disso e acabei por
arrancar-lhe
a história toda. Soube onde as
jóias tinham sido entregues e,
também, que um homem passeava para
cima e
para baixo na rua, um homem com uma
venerável cabeça branca,
mas que andava com o passo ágil e
elástico de um indivíduo
novo. Mentalmente, dei a esse homem
o nome de ¦¦Senhor
Marquês¦¦.
- E agora veio a Londres para falar com Mister
Van Aldin?
- Não apenas por essa razão; tinha outras coisas
que tratar. Desde que cheguei a
Londres falei com
duas pessoas: um agente teatral e
um médico da Harley Street.
De cada um deles obtive
determinadas informações... Some um e
um, mademoiselle, e veja se
obtém o mesmo resultado que eu.
- Eu?
- Sim, mademoiselle. Dir-lhe-ei ainda mais uma
coisa: houve sempre no meu espírito
uma dúvida: teriam o
assassínio e o roubo sido cometidos
pela mesma
pessoa? Durante muito tempo não
tive a certeza...
- E agora?
- Agora sei.
Após um momento de silêncio, Katherine levantou
a cabeça. Os seus olhos brilhavam.
- Não sou tão inteligente como o senhor, Monsieur
Poirot. Metade das coisas que me
disse parece-me sem
significado. As minhas ideias
provêm de um ângulo
tão diferente...
- Ah, mas é sempre assim! - afirmou Poirot,
calmamente. - Um espelho mostra a
verdade, mas as
pessoas olham para o espelho de
ângulos diferentes.
- As minhas ideias podem ser absurdas, podem
ser inteiramente diferentes das suas, mas...
- Mas?
- Acha que isto ajuda alguma coisa?
Poirot aceitou o recorte de jornal que ela lhe estendia,
leu-o e acenou gravemente com a
cabeça.
- Como lhe disse, mademoiselle, olhamos para o
espelho da verdade de ângulos
diferentes, mas o espelho é o
mesmo e as imagens reflectidas as
mesmas
também.
Katherine levantou-se.
- Tenho de partir depressa - disse. - Se me demoro mais,
perco o trem. Monsieur Poirot...
- Mademoiselle?
- Oxalá não demore muito mais tempo, compreende? Não
posso... não posso suportar durante
muito mais tempo.
A voz tremeu-lhe e o detetive bateu-lhe na mão,
num gesto tranquilizador.
- Coragem, mademoiselle; não deve fraquejar agora. O fim
está muito próximo.
O mistério do trem azul part. 31
MR. AARONS ALMOÇA
- Ah! - exclamou Mr. Joseph Aarons, consolado.
Levou a caneca aos lábios, bebeu um longo golo,
suspirou, limpou a espuma da
cerveja dos lábios e sorriu ao
seu anfitrião, Monsieur Hercule
Poirot.
- Dêem-me um bom bife de cervejaria e uma caneca de qualquer
coisa digna de se beber, e podeis
ficar com as vossas iguarias
francesas, com os vossos
¦¦ordóvres¦¦, as vossas omeletas e
os vossos franguinhos!
Dêem-me - repetiu - um bom bife de
cervejaria!
Poirot, que acabava de satisfazer-lhe a preferência,
sorriu, compreensivo.
- Não quero dizer que haja algum mal num pudim
de rins ou num bife simples -
continuou Mr. Aarons.
- Torta de maçã? Sim, comerei torta
de maçã, Miss, e
uma taça de nata.
O almoço prosseguiu até que, finalmente, com um
profundo suspiro, Mr. Aarons pousou
faca e garfo, para se
entreter com um bocadinho de queijo
antes de
pensar noutras coisas...
- Falou num assunto qualquer que precisava de
tratar, Monsieur Poirot... Terei
muito prazer em o
ajudar no que puder.
- É muito amável. Disse para comigo: ¦¦Se queres
saber alguma coisa acerca de gente
de teatro, existe
apenas uma pessoa perfeitamente
elucidada a esse respeito, e
essa pessoa é o teu velho amigo,
Mr. Joseph
Aarons. ¦¦
- E não se enganou! - redarguiu, complacente, o
comilão. - Esteja interessado no
passado, no presente
ou no futuro, Joseph Aarons é o
homem indicado.
- Précisément. Desejava perguntar-lhe, Monsieur
Aarons, o que sabe acerca de uma
jovem chamada
Kidd.
- Kidd? Kitty Kidd?
- Kitty Kidd.
- Foi muito esperta.
Disfarçava-se de homem,
cantava e dançava... É essa que lhe
interessa?
- Sim, é essa.
- Foi muito esperta. Arranjou um bom pecúlio,
pois nunca lhe faltavam contratos.
Dedicava-se sobretudo a
fazer papéis de homem, mas também
não havia nada que se lhe
dissesse como actriz de caracteres
típicos.
- Foi o que ouvi dizer - concordou Poirot. -- Mas
ultimamente não tem aparecido, pois
não?
- Não. Abandonou a carreira, foi para França e
juntou-se a um nobre qualquer.
Suponho que deixou
definitivamente o palco.
- Há quanto tempo foi isso?
- Ora deixe ver... Há três anos. E garanto-lhe que
foi uma perda para o teatro.
- Era inteligente?
- Se era inteligente!
- Não sabe o nome do homem a quem se ligou,
em Paris?
- Sei que era um figurão importante, um conde...
ou seria um marquês? Pensando bem,
creio que era
um marquês.
- E, depois disso, não soube mais nada dela?
- Nada. Nunca sequer a encontrei, por acaso.
Aposto que leva vida regalada por
essas estâncias
estrangeiras, marquesa para toda a
vida. Com a Kitty
ninguém brincava nem levava a
melhor.
- Compreendo - murmurou Poirot, pensativo.
- Lamento não poder dizer-lhe mais nada, Mister
Poirot; gostaria de ser-lhe útil.
Não me esqueço do favor que
me prestou, em tempos.
- Ora, estamos quites! O senhor também me fez
um favor.
- Amor com amor se paga! - exclamou Mr. Aarons, soltando uma
gargalhada.
- A sua profissão deve ser muito interessante.
- Assim-assim - redarguiu Mr. Aarons, sem entusiasmo. - O
bom e o mau equilibram-se. Bem
vistas todas as coisas, não me
dou muito mal. Mas é preciso
conservar os olhos bem abertos!
Nunca se sabe o
que o público quererá a seguir.
- Nos últimos anos, a dança tem estado muito em
voga - observou o detetive.
- Pessoalmente, nunca vi nada nesse tal ballet
russo, mas o público gosta... É
demasiado complicado
para mim.
- Conheci uma bailarina na Riviera, uma tal Mademoiselle
Mirelle...
- Mirelle? Oh, isso é material caro! Tem sempre
dinheiro a apoiá-la, embora, a
verdade seja dita, a pequena
saiba dançar. Vi-a e sei do que
estou a falar.
Nunca tive de lidar muito com ela, mas consta-me que
é o diabo em figura de gente.
Birras e caprichos, a toda a
hora...
- Sim, também me parece.
- Temperamento! - exclamou Mr. Aarons, desdenhoso. -
Temperamento! Pelo menos é como lhe
chamam. A minha patroa também foi
bailarina, antes
de casar comigo, mas confesso que,
felizmente nunca
teve temperamento. No lar não se
quer temperamento, Mister
Poirot!
- Concordo consigo, meu amigo. Fica deslocado.
- Uma mulher deve ser calma e compreensiva... e
boa cozinheira.
- Mirelle não trabalha há muito tempo, pois não?
- Há cerca de dois anos e meio, apenas. Lançou-a
um duque francês qualquer. Ouvi
dizer que anda agora com o
ex-primeiro-ministro da Grécia. São
tipos como estes que podem
empatar dinheiro nela, sem lhes
dar pelo forro da camisa.
- Essa do ex-ministro é novidade para mim!
- Oh, não é mulher para deixar a erva crescer debaixo dos
pés! Dizem que o jovem Kettering
matou a
esposa por causa dela... Não sei.
No entanto, ele está
preso e Mirelle achou conveniente
olhar à sua volta...
E não se pode dizer que não tenha
sido esperta! Dizem
que usa agora um rubi do tamanho de
um ovo de pombo. Claro que
nunca na minha vida vi um ovo de
pombo, mas é a expressão que
empregam sempre em
trabalhos de ficção...
- Um rubi do tamanho de um ovo de pombo! -- exclamou Poirot,
com um brilho verde, felino, nos
olhos. - Que interessante!
- Foi um amigo quem mo disse. Mas, claro, talvez seja apenas
vidro colorido! Estas mulheres de
teatro são todas as mesmas;
nunca se cansam de inventar
grandes histórias acerca das suas
jóias. Mirelle, por
exemplo, apregoa que o rubi em
questão está amaldiçoado. Creio
que lhe chama c¦Coração de Fogo¦¦.
- Mas o rubi chamado ¦¦Coração de Fogo¦¦ é a pedra central
de um colar! - observou Poirot. -
Tenho
a certeza.
- Aí tem! Não lhe disse que estavam sempre a inventar
histórias acerca de jóias? Este
rubi é uma pedra
única, que ela traz ao pescoço
pendente de um fio de
platina. Quase jurava que é um
calhau colorido!
- Não - murmurou Poirot, lentamente -, não
creio que seja vidro colorido.
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